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Alvo de investigações, Ricardo Salles pede demissão

Exoneração foi publicada; atual Secretário de Amazônia foi nomeado em seu lugar
Ricardo Salles Foto: Jorge William / Agência O Globo
Ricardo Salles Foto: Jorge William / Agência O Globo

BRASÍLIA — O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pediu demissão nesta tarde ao presidente Jair Bolsonaro. O ato de exoneração foi publicado em edição extra do Diário Oficial da União (DOU). O atual Secretário da Amazônia e Serviços Ambientais da pasta, Joaquim Álvaro Pereira Leite, foi nomeado em seu lugar .

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— Eu entendo que o Brasil, ao longo deste ano e no ano que vem e, na inserção internacional e também na agenda nacional, precisa ter uma união muito forte de interesses, de anseios e de esforços. Para que isso se faça da maneira mais serena possível, eu apresentei ao presidente o meu pedido de exoneração, que foi atendido — disse Salles, em um pronunciamento no Palácio do Planalto.

Sem máscara, Salles relembrou sua gestão, refutou críticas e defendeu que o Brasil invista em infraestrutura para continuar a liderar o agronegócio.

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— Experimentei ao longo destes dois anos e meio muitas contestações, tentativas de dar a essas medidas caráter de desrespeito à legislação, o que não é verdade — disse.

Alvo de duas investigações no Supremo Tribunal Federal (STF),  Salles estava sob pressão e alegou motivos familiares para deixar o cargo, apesar do respaldo do Palácio do Planalto.

Na terça-feira, Salles foi elogiado publicamente por Bolsonaro durante um evento no Planalto. Bolsonaro parabenizou Salles, disse que às vezes a herança do ministérios é uma "penca de processos" e afirmou que lamenta o tratamento dado "por alguns poucos desse outro Poder".

— Parabéns, Ricardo Salles. Não é fácil ocupar seu ministério. Por vezes, a herança fica apenas uma penca de processos. A gente lamenta como por vezes somos tratados por alguns poucos desse outro Poder, que é muito importante para todos nós.

Em nota, a pasta aafirmou que Salles e Bolsonaro conciliaram "a defesa do meio ambiente com o necessário desenvolvimento econômico sustentável". No entanto, recordes de desmatamento na Amazônia foram registrados ao longo da gestão do ex-ministro, que deixa o governo em meio à crise hídrica e ao risco de apagão no setor elétrico.

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"Respeitando e valorizando todos os setores produtivos, através de uma agenda liberal foi possível reforçar a preservação do meio ambiente e trazer mudanças necessárias, com bom senso e respeito às leis, colocando as pessoas no centro das atenções", diz o comunicado.

Salles é alvo de duas investigações no STF. Na Operação Akuanduba, deflagrada em maio , ele foi alvo de mandados de busca e apreensão e teve seus sigilos bancários e fiscal quebrados. Esse processo é relatado pelo ministro Alexandre de Moraes.

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Mais de dez servidores do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama foram afastados pela operação, entre eles o preisdente da autarquia, Eduardo Bim.

No início de junho, a ministra Cármen Lúcia autorizou a abertura de um inquérito para apurar se o ministro obstruiu as investigações de um esquema de desmatamento ilegal na região, a Operação Handroanthus, considerada a maior já realizada.

O ministro é o principal alvo da Operação Akuanduba, conduzida pela Polícia Federal, que apura crimes contra a administração pública — corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e, especialmente, facilitação de contrabando — praticados por agentes públicos e empresários do ramo madeireiro.

A principal linha de investigação é que os funcionários do ministério e do Ibama atuaram favorecendo indevidamente empresas dentro da administração pública, o que pode caracterizar o crime de advocacia administrativa. Com essa operação, a PF busca provas do eventual pagamento de propina aos servidores.

A PF diz que um relatório financeiro elaborado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou transações suspeitas envolvendo o escritório de advocacia de Ricardo Salles. Na decisão, Alexandre de Moraes escreveu que a movimentação financeira envolvendo o ministro do Meio Ambiente foi " extremamente atípica ". Segundo o ministro, o escritório de advocacia de Ricardo Salles movimentou R$ 14 milhões entre janeiro de 2012 e junho de 2020, "situação que recomenda, por cautela, a necessidade de maiores aprofundamentos".

O ministro e a boiada

Em uma reunião ministerial no dia 22 de abril do ano passado, Salles sugeriu que o governo deveria aproveitar a atenção da imprensa na pandemia do novo coronavírus para aprovar "reformas infralegais de desregulamentação e simplificação" na área do meio ambiente e " ir passando a boiada ".

"Então para isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas", disse o ministro, segundo vídeo divulgado pelo Supremo Tribunal Federal.

Salles foi acusado de comandar, em sua gestão, o desmonte da política ambiental do país. O Ministério do Meio Ambiente tem hoje o menor orçamento dos últimos 21 anos . Quadros do Ibama e do ICMBio não são repostos desde o início da década.

O ministro reduziu o número de assentos do Conselho Nacional do Meio Ambiente , comprometendo principalmente a participação da sociedade civil. Não há uma vaga, por exemplo, para representantes da comunidade científica.

Salles também suspendeu comitês que orientavam os repasses do Fundo Amazônia e sugeriu que os recursos fossem destinados à indenização de proprietários rurais, e não apenas a iniciativas para conservação do bioma. Os governos da Noruega e da Alemanha, países doadores do Fundo, discordaram da sugestão e congelaram novos repasses . O Fundo Amazônia tem cerca de R$ 2,9 bilhões parados desde 2019 .

Nos últimos dois anos, a taxa de desmatamento da Amazônia aumentou 48,3% em relação ao biênio anterior, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. O bioma perdeu 10.851 km² de florestas somente no ano passado , maior índice desde 2008.

Carlos Minc, ex-ministro do Meio Ambiente, avalia que Salles "foi tarde", mas que seu afastamento do ministério não é suficiente.

— Há que tomar medidas como desatar braços do Ibama e do ICMBio, destravar o Fundo Amazônia, retirar garimpeiros ilegais de terras indígenas e combater as queimadas e o desmatamento, que aumentarão com a estação seca.

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Marina Silva, que também comandou a pasta, comemorou o pedido de demissão de Salles:

— Já era pra ter saído há muito tempo. Vai tarde, depois de ter causado inúmeros prejuízos às florestas, aos povos indígenas, aos interesses do Brasil, de ter desmontado a governança ambiental brasileira. A gente sabe que ele era o operador ambiental do Bolsonaro, que a causa de tudo isso é o presidente da República. Mas sua saída é uma conquista da sociedade brasileira.

Para Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, Salles só deixará saudades para "os madeireiros ilegais, grileiros e destruidores da floresta":

— Salles sai assim como entrou: devendo para a Justiça. Recuso chamá-lo de ex-ministro do meio ambiente, porque nunca o foi, não merece tal título — diz. — Seu legado foi ajudar a arrasar com a imagem internacional do país, aumentar em 46% o desmatamento da Amazônia e sucatear as agencias de fiscalizaçao ambiental — avalia. — Mas não podemos esperar que as coisas melhorem muito. Neste momento, Bolsonaro deve estar procurando alguem que faça exatamente o mesmo serviço prestado por Salles ate agora: destruir a proteção ambiental do país.

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O Observatório, que reúne 56 organizações da sociedade civil, reforçou que a "antipolítica ambiental que tornou o Brasil um perigo para o mundo não apenas não muda".

"O agora ex-antiministro do Meio Ambiente deixa um legado sombrio: dois anos de desmatamento em alta, dois recordes sucessivos de queimadas na Amazônia, 26% do Pantanal carbonizado, omissão diante do maior derramamento de óleo da história do Brasil, emissões de carbono em alta e a imagem internacional do país na lama. Para não dizer que só destruiu tudo, Salles acrescentou uma expressão ao léxico do português brasileiro: 'boiada' como sinônimo de destruição ambiental."

Em nota, o Greenpeace afirmou que o país não poderia ter mais à frente o Ministério do Meio Ambiente alguém que, "de forma intencional de deliberada, agia contra a própria pasta e estava trazendo grandes danos ao país". A ONG, porém, pondera que a troca do titular da pasta não garante que o governo mudará seu "projeto antiambiental nefasto":

"Por um lado, a sociedade civil recebe com alívio o pedido de demissão do ministro, após diversas investigações de desvio de finalidade de sua função, confirmando aquilo que vem sendo denunciado desde o início de seu mandato. Por outro, é evidente que a troca de peças por si só não deve mudar a estratégia do governo, agora com o novo ministro Joaquim Álvaro Pereira Leite, antigo membro da Sociedade Rural Brasileira (SRB), até então subordinado de Salles e aliado aos interesses do agronegócio".

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O Greenpeace acrescentou que a saída de Salles foi "tardia, mas necessária":

"Entretanto, a estratégia do governo para a agenda ambiental não deve mudar e, de mãos dadas com o Legislativo, vão seguir tentando avançar na desregulamentação da proteção ambiental e dos povos indígenas".

Já o WWF afirmou que "a atuação do governo Bolsonaro em relação ao Meio Ambiente entrará para a história como a mais devastadora que o Brasil já teve".

"O b de boiada não é de Ricardo Salles. É do governo Bolsonaro. No mesmo dia em que cai o pior Ministro do Meio Ambiente da história do Brasil, o PL 490, que fere os direitos indígenas em relação a suas terras, foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Congresso Nacional, provando que o correntão de retrocessos socioambientais continua destruindo a todo motor", diz a nota.