O século XIX estava a chegar ao fim e, do outro lado do Atlântico, George Eastman já fundara a Kodak. Apesar de as experiências com a captura de imagens coloridas terem começado em meados desse século, só em 1907 é que o primeiro processo razoavelmente fiável de captura de fotografias a cores, o autochrome de Lumière, chegou ao mercado. Numa pequena cidade com uma grande catedral, um pintor, já com mais de 50 anos, alugou um estúdio com vista para o imponente edifício que iria pintar de forma obstinada em mais de 30 telas. A série de pinturas da Catedral de Rouen de Claude Monet foi inovadora. Ele não estava a pintar a impressionante fachada da catedral – estava à procura da forma como a luz, que varia com a hora do dia e as diferentes condições climáticas, afecta a nossa percepção.

As Azenhas do Mar não ficam na Bretanha e que se saiba Monet nunca aqui esteve, apesar de Raul Proença, no seu Guia de Portugal de 1924, garantir que o local era então muito frequentado por artistas. Porém, aquilo que Monet encontrou na catedral também aqui merece ser observado. O microclima de Sintra é famoso e talvez não se faça sentir em mais lugar nenhum como nas praias recortadas pela serra.

Céu carregado e tempestuoso, nevoeiro, muito nevoeiro, cúmulos de algodão a pintar o azul ciano, crepúsculos púrpura filtrados pela neblina que chega do mar devolvem uma vista sempre diferente desta bela e enigmática povoação.

Azenhas do Mar

As Azenhas do Mar são uma descoberta turística do século XX. No seu roteiro das praias do século XIX, Ramalho Ortigão não as menciona. Meio século depois, já eram uma obsessão da burguesia.

A mais bela maneira de lá chegar é pelo lado Sul, vindo de Colares e da Praia das Maçãs. No lado sul da ribeira do Cameijo, há um miradouro e um parque de estacionamento com vista sobre as Azenhas do Mar que é uma pérola. O casario branco disposto na encosta como se de um presépio se tratasse parece que sempre ali esteve, mas até meados do século XX o número de casas era muito mais reduzido.

Um olhar desatento poderia sugerir que aquela era uma pequena povoação piscatória, mas há dois elementos que não batem certo. A enseada constantemente batida pelo mar não se presta a embarques e desembarques e, como o nome indica, mesmo já não havendo nenhuma em laboração, as inúmeras mós alveiras, esculpidas em calcário e usadas na moagem dos grãos de trigo, são ainda visíveis entre as casas e jardins que alojam agora veraneantes.

No tempo em que todas as veredas e courelas eram cultivadas com cereal, o trigo era moído pelos moinhos de vento ou em azenhas como as que aqui existiam e o zumbido surdo das mós a rodar no pouso enquanto transformavam os grãos de cereal em farinha ecoava no vale. No alto da encosta, pendurada na falésia e mantendo-se independente mas a uma distância que ainda a inclui na povoação, destaca-se uma pequena casa que, mesmo à distância, surpreende pelo seu telhado branco e portadas laranja.

Foi ali construída em 1920 pelo icónico arquitecto Raul Lino para servir de casa de férias para a família. De simplicidade desconcertante, o projecto invoca todo o programa de uma vida relativo à forma como Lino interpretou a arquitectura tradicional portuguesa. Cá em baixo, no Verão, a ribeira está reduzida a um fio de água, mas nas suas margens a hortelã mantem-se fresca. Junto da praia, foi construída uma robusta piscina que as águas do mar invadem quando a maré sobe e as ondas crescem. Nos restaurantes, come-se peixe de águas oxigenadas pela rebentação e sabor a mar.

Azenhas do Mar

Na escadaria que serpenteia entre as casas, estão assinalados os trilhos que fazem parte das Pequenas Rotas de Sintra e que permitem caminhar ao longo da costa ou para o interior. As Azenhas do Mar são uma pequena povoação onde não faltam facetas para descobrir, mas, com tempo, vale também a pena entrar dois quilómetros para o interior e contemplar a capela do século XVI de São Mamede de Janas com a sua original planta circular onde, em meados de Agosto, se realiza uma romaria em que o gado descreve voltas à capela. Numa região tão rica, difícil é seleccionar apenas alguns locais para visitar.